Arquivado em:
Artigos

14 de mar de 2022

Ato pela Terra: Resistir é preciso
Caetano Veloso no Ato pela Terra
Vários artistas brasileiros, liderados por Caetano Veloso, fizeram uma grande manifestação em Brasília em que milhares de pessoas se reuniram para exigir que […]

Caetano Veloso no Ato pela TerraVários artistas brasileiros, liderados por Caetano Veloso, fizeram uma grande manifestação em Brasília em que milhares de pessoas se reuniram para exigir que o Congresso Nacional não aprove o “pacote da destruição”, o conjunto de projetos que acaba com o que ainda resta de proteção legal ao meio ambiente e às terras indígenas. É a reação criativa e saudável da sociedade civil brasileira a um governo que demonstrou, desde o início, sua intenção de “passar a boiada” sobre todos os avanços sociais e ambientais que o Brasil conquistou nos últimos 30 anos.

Está evidente, para todas as pessoas com um mínimo de informação e bom senso, que as mudanças climáticas se intensificaram e provocam desastres em todas as regiões. Ainda não foram resgatados os sobreviventes nem sepultados os mortos nos desastres provocados pelas chuvas nas grandes cidades brasileiras e os parlamentares ligados ao governo fazem tramitar com urgência os projetos que, se levados à prática, ampliarão a tragédia. Por exemplo, ao som da manifestação do lado de fora do Congresso, foi aprovada a urgência para o projeto que permite mineração em terras indígenas.

Conheço as dificuldades que qualquer governo, federal ou estadual, enfrenta na Amazônia; conheço as tensas negociações para mediar diferentes interesses no Congresso; conheço os intensos debates que permeiam a sociedade brasileira, cheia de necessidades e problemas. Mas em toda a minha vida ainda não tinha visto, nos dirigentes políticos, tamanha alienação da realidade. O diagnóstico é aquele que circulou na imprensa internacional no início da pandemia de Covid-19: “o mundo tem um problema, o Brasil tem dois”.

Tudo indica que não resolveremos qualquer problema, social, econômico ou ambiental, se não resolvermos o problema político. Os artistas brasileiros já entenderam isso, por isso repetiram, na manifestação de Brasília, o grito de revolta que já se tornou um apelo dramático: “fora, Bolsonaro”.

Mas os 10 meses que ainda faltam para o final de tão desastroso governo, que desejamos seja acompanhado de uma grande renovação no parlamento, podem ser tempo suficiente para que a Amazônia chegue ao temido “ponto de não-retorno”. E a degradação definitiva da floresta teria um impacto de tal magnitude que não é exagero falar em colapso da civilização humana e até mesmo no risco de extinção da vida no planeta.

Indígenas contra Pacote da DestruiçãoPor isso, temos uma tarefa múltipla este ano: ao mesmo tempo em que nos esforçamos para promover uma grande mudança política, nas eleições de outubro, devemos nos mobilizar em várias frentes para conter a devastação, as mudanças negativas na legislação e o desmonte dos órgãos e instituições responsáveis pela fiscalização e punição dos crimes ambientais.

Ganha particular relevância a mobilização da sociedade, articulação e pressão sobre os parlamentares para impedir que seja aprovado o “pacote da destruição”. Especificando: o PL 6.299, famoso “PL do Veneno”, permite o total descontrole na aprovação dos agrotóxicos; o PL 2.159 altera o sistema de Licenciamento Ambiental, fragilizando os órgãos públicos e reduzindo drasticamente seu poder de exigir salvaguardas para mitigar os impactos ambientais de obras e empreendimentos; o PL 2.633 e o PL 510 regularizam e estimulam as invasões de terras públicas e a grilagem; o PL 490 retira dos indígenas o direito à demarcação de suas terras, enquanto o PL 191 abre essas terras ao garimpo.

O efeito conjunto de todas as ações que serão permitidas e estimuladas por esse pacote pode colocar o Brasil na vanguarda das emissões de gases que provocam as mudanças climáticas. Mais do que “pária” ambiental, o Brasil pode se tornar um país criminoso, quase um “terrorista ambiental”. Mas nenhuma sanção internacional, econômica ou política, será tão terrível quanto as sanções impostas pela própria Natureza. Amostras do que pode vir já tivemos várias, na temporada de chuvas e desastres que ainda estamos vivendo.

Vai ser uma luta renhida, em todos os campos: político, social, econômico e cultural. Que estejamos preparados.

 

Artigo publicado no IREE.

Jorge Viana é Acreano, engenheiro florestal e professor de gestão pública no IDP.